sexta-feira, 25 de julho de 2014

Ser Conan ou Wood

   O texto Total falta de memória descreve a situação de Arnold Conan, que para se livrar da terrível ameaça de ser preso e atormentado em uma prisão, escolhe passar por  uma mudança de identidade, tudo que foi vivido pelo agente seria deletado do seu eu. Afinal, agora, depois da mudança, o eu de Arnold Conan é Alan E. Wood.
   Apesar de reconhecer a importância da memória e da lembrança na constituição da identidade pessoal de cada indivíduo, como nos faz singular diante do outro e prova construída de que estamos vivendo, se eu viesse a conhecer Wood, seria mesmo esse o nome pelo qual o trataria. Arnold Conan só no passado foi alguém. Para tanto, valho-me de certa angústia do pensamento filosófico da metafísica quando pensa a existência do ser de maneira transcendente à matéria e ligada a sua essência, a roseira quando nova não seria, necessariamente, a mesma roseira frondosa e adulta. Assim, enxergo a afirmação da  identidade na iminência do ato de ser, sou quem sou agora, sou da maneira que ajo e penso agora. Logo, uma vez que o pensamento e as ações de Wood se conduzem totalmente desligadas da consciência de Conan, não devo atribuir a ele o que jamais seria realizado por aquele. 
   Discordo do livro a respeito de uma amnésia (considerando uma amnésia absoluta e irreparável) não mudar totalmente uma pessoa. Penso, a forma, o corpo ou a voz sendo identificados por nós como atributos que nos conferem a materialidade de nossa existência, assim posso dizer que reconheço determinada pessoa pelas suas feições, mas não posso falar que a conheço tão somente pela aparência. Esse pensamento simples sempre determinará as relações dos humanos com seus companheiros. Contudo, ignorar esse resumo sensorial, meramente baseado no que os sentidos têm de mais fácil a ser captado (sons,cores, texturas) para buscar um contato aproximado,  revelaria para os próximos de Wood sua nova essência.
   Nesse sentido, é sabido que nossa personalidade, o que nos caracteriza como indivíduos exclusivos, é moldada pela experiência que adquirimos, registrando tudo na memória. Por isso, a personalidade é mutável, posto que a todo momento,  experimentações que foram guardadas pela memória como ponto de referência para nos posicionarmos diante de algo , são suplantadas pelo aprendizado adquirido em uma viajem, uma aula ou conversa entre amigos, mas a pessoa em essência não muda. Com isso, não quero voltar atrás com o já dito, digo que Conan não mudou e sim que ele já não existe, a única coisa resgatável seria sua personalidade, se reouvesse em Wood as memórias excluídas, desembocando, dessa vez, em um conflito de personalidades e não mais de pessoas. Posto que somos um só.
   Segundo Carlos Drummond de Andrade,  ninguém é igual a ninguém, todos somos estranhos ímpares. Dessa maneira, Wood é um estranho para os outros e para outrem que existiu em um passado recente, mas para si, ele "É" no presente. Portanto, foi no desacordo entre matéria e essência provocado pela situação hipotética traçada no livro que pude refletir sobre o que me faz ser quem sou, e sem dúvidas meu ser não é a materialidade das impressões que transmito para os sentidos alheios, e muito menos seria a continuação da  existência de um Conan que já foi alguém em outro tempo, não nesse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário