sábado, 26 de julho de 2014

A arte não se eleva

   Fiz a leitura do texto O princípio do prazer, no qual a personagem Penny deve escolher entre ser embaixadora do país Raritaria, lugar de sexo podado, pouca diversão e exposição de arte erudita, ou atuar na embaixada de Rawitaria, onde os prazeres "mais elevados" da arte e da música são suplantados pela diversão, drogas e sexo. Assim, declaro minha total discordância com a proposta de uma arte somente contemplativa, descolada dos prazeres da vida,pois antes de produzir a esfera artística vive-se a vida. Raritaria seria um lugar onde a arte seria apenas contemplada mas não capaz de inspirar sua produção, talvez, concordasse comigo, Toulouse Lautrec e os pintores boêmios, os músicos bêbados e escritores drogados que tanto contribuíram para nossa arte.
   O que dizer dos artistas do contraponto, que escolheram representar na arte a vida vulgar, buscando a pureza na miséria, descobrindo a beleza na feiura e vivendo nesses ambientes onde a inspiração se afasta da sociedade aristocrática? São artistas. O exemplo de Caravaggio, gênio do barroco, possuía um espírito dos mais vulgares, sempre envolvido em festas, distante da sobriedade que tanto o chateava, e mesmo assim capaz de pintar figuras com dimensões reais e lotada de técnicas de claro-escuro. Por quê olhar grosseiramente para Toulouse que no Moulin Rouge, acompanhava Van Gogh em doses seguidas  de absinto e música frenética e popular? - Não! A arte muitas vezes saiu da margem sombria para ser estampada em museus e coleções particulares de uma elite ignorante ao que diz respeito a  sua finalidade: expressar. E Raritaria seria a representação disso, um lugar onde se escuta Beethovem mas se é surdo para o Blues, onde se observa uma tela mas a cegueira toma conta quando se deve observar o passado de sua produção. Ali a arte é meramente figurativa, mesmo que se tenha paixão para admirá-la não se tem coragem para senti-la. Por assim dizer, Raritaria pretende desligar a arte dos fatores que concorreram para sua produção.
   Preferiria viver em Rawitaria, uma vez que acredito que antes de admiramos as obras primas ou conquistarmos esse sentimento de paixão pela arte, devemos conquistar nossa vida plena de liberdade de expressão. Os prazeres são justamente a coleção de situações em que o ser humano pode fugir dos brios que o impedem de se expressar, o sexo, por exemplo, deve ser encarado com o fetichismo que lhe é peculiar, a música deve comover os sentidos mas também deve animar as comemorações regadas pelo álcool. Afinal, as drogas de Rawitaria seriam as mesmas que vemos por aí, por isso é importante lembrar que desde há muito vivemos sob o jugo de um estado massacrante e depressor, que nada oferece para suprir as angústias humanas e que ainda assim pretende marginalizar aquilo que chama de alucinógeno. A alucinação que se ofereceria a Penny seria a lucidez de sua autonomia,não mais estaria regrada por uma classe empoada que diz amar a arte para se esquecer de ser artista. Nesse sentido, não se trata de dizer que só é artista o drogado, mas dar o título de "arte elevada" à determinada coisa não a eleva de verdade, somente rebaixa a produção daqueles que não optaram por serem contidos, hipócritas e controlados como a elite burguesa sempre buscou viver. E claro, hipócrita, porque duvido que em Raritaria, nos porões das casas, em um canto isolado e escondido a quatro chaves não se escondem, os elegantes habitantes para experimentarem seus tabus.
   Meu conselho para Penny não seria escolher Raritaria ou Rawitaria, apesar de perder o cargo nas embaixadas, a melhor oportunidade que pode surgir não é aquela que contempla somente um interesse e sim a que totaliza nossas aspirações. Para além disso, mais efêmero e vazio do que um copo de bebida é uma só dose de tabu  daqueles que ficam a escolher o que devemos achar belo.

Toulouse Lautrec- A dança- Valentin, o Desossado, ensaia as novas candidatas, 1890


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