sábado, 26 de julho de 2014

Moral - pílula dada à poucos

   No texto O suborno do bem, um executivo inescrupuloso chantageia um primeiro-ministro oferecendo dez milhões de libras que garantiriam água potável para centenas de milhares de africanos em troca de ser nomeado cavaleiro. O político não está certo de que decisão tomar, afinal pretendia seguir um governo limpo de corrupção, mas tem a sua frente a futilidade da significância de um título diante de uma ação beneficente de proporções muito maiores que sua moral. 
   Apesar de entender que é corrupto homenagear civil e politicamente um homem de condutas ruins, para que esse possa se gabar da fantasia de se intitular "superior" quando na verdade ele é conhecedor de seu demérito, não acredito que possa isso ser alegado quando um bem maior está em jogo. Não se trata de um bem como a vida. Seria muito diferente se o problema tratasse de contrapor o risco de uma vida em frente o risco de milhares de vidas. Contudo, a questão é resumida à dar uma vantagem social em troca de um benefício promotor de um bem supremo para um significativo número de pessoas. Pensando sobre isso, o quão a moral se torna algo grandioso a ponto de se afastar do bem universal para se manter intacta, assistindo tudo de cima é que acho ser preciso a seguinte indagação: uma vez que o título de cavaleiro representa uma vantagem, essa vantagem seria observada por quem? - Com certeza, não seria pela maioria relativa de pessoas que sentem sede e tem suas existências ameaçadas por condições precárias. Logo, é válido riscar o diamante da moralidade, não para que este deixe de refletir seu brilho, mas para ofuscar um reflexo de luz que só ilumina uma parcela privilegiada, a do ministro, do político e de quem possa se interessar em possuir uma honraria ou título meramente aparentes.
   Posso dizer que fiquei confuso ao fazer a associação imediata e comum, pela qual alguém ao praticar uma conduta tida como negativa estaria afirmando sua predisposição e consequente sucessão de atos negativos. Por isso, o primeiro-ministro, ao passo que atuaria maculando um tanto de sua moral, isso não seria uma desculpa para afirmar-se absolutamente corruptível e direcionar o restante de seu governo à corrupção. Se assim eu não concordasse, estaria dizendo que ninguém pode cometer uma infração sem que com isso mande sua moral para o espaço. Assumir essa proposição, seria ainda, fundamentar, por exemplo, que um ex-presidiário, após cumprida sua pena, jamais estaria apto para retomar o convívio em sociedade.
   Nesse sentido, antes de consultarmos essa autoridade subjetiva chamada moral, devemos consultar as bases que sustentam essa entidade coletiva: a humanidade. Pois de nada adiantaria saber que somos tutelados por uma autoridade que alienada de nossas necessidades mais iminentes, tem como preocupação primeira manter-se intocável. Portanto, posso dizer que para mim, o bem subjetivo da moralidade comum só existe quando tudo é comumente garantido à todos, sem as necessidades mais básicas supridas, com o estômago roncando ou na insuportável sede não há o que falar em agir com moralidade. Do contrário, estaríamos nos preocupando em dourar uma pílula e não oferecê-la à todos. 

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