sábado, 26 de julho de 2014

Resenha do filme O ponto de mutação (1990)

   Em uma aula de sábado, pela manhã, assistimos na sala de aula ao filme O ponto de mutação (1990) do cineasta Bernt Capra. A película se desenvolve em torno da discussão de três personagens que passam por momentos de angústia particular, um político, uma cientista e um poeta. Para o político a angústia seria a de ter perdido as eleições como candidato à presidência, para a cientista um conflito ético entre seu papel de criadora diante a responsabilidade de sua criação no mundo, e ao poeta a angústia típica de quem vive para exprimir seus sentimentos: um fim de relacionamento amoroso. Contudo, compartilham algo em comum, discutem a ideia da teoria holística, que contrariando o pensado por Descartes prevê a análise do todo ao invés das partes.
   Durante toda a exibição do filme, acompanhei curiosamente os excelentes argumentos apresentados pelos personagens e não sei até onde concordo com eles. Assim, pensar o holismo na perspectiva da saúde mundial, ou em questões de ecologia e preservação ambiental parece muito sensato. Mas no âmbito do sentimentos humanos ainda me provoca dúvidas, posto que é mais fácil falar em uma ideia geral que beneficia o planeta, mas é bem difícil determinar o que seria melhor para a felicidade de todos ou a dignidade universal. Nesse sentido, a dignidade e a felicidade estão em um campo do abstrato em que não é possível determinar um pensamento que enxergue as inquietações individuais de maneira completa sem embaçar a visualização da inquietação do todo. Ainda que a dignidade seja um tanto parecida entre os seres humanos, nem tudo que me deixa feliz pode causar o mesmo efeito para o outro, o estilo de vida, as experiências, além de várias pontuações subjetivas surgem como demonstradoras da inabilidade de compreender a totalidade daquilo que garante a felicidade do mundo. O holismo, então, estaria acima da inquietação individual mas é sustentado por ela. Então, é fato que qualquer ideia ganha força ao se expandir na coletividade, por isso o holismo enxergaria a coletividade primeiro e dali germinariam as ideias individuais. Mas a função da força do coletivo, ainda que vista como antecessora da vontade individual só é útil quando capaz de suprir as carências dessa vontade. Evidenciamos isso, ao perceber que não estamos satisfeitos quando o mundo assim está, e sim quando nós estamos. 
   Seguindo essa reflexão, eu acredito mais na força da egrégora, que pensa que as reações no mundo exterior partem da união de pensamentos individuais e não que os pensamentos individuais decorrem dessa união. Contudo, a complexidade das reflexões que dizem respeito ao holismo provocam em mim, uma relação de desconforto da qual não quero me livrar tão cedo, uma vez que é da persistência na dúvida que conquistamos as soluções. Logo, o filme O ponto de mutação foi uma excelente maneira de me provocar  o pensamento sobre a significância de minha postura no universo.



Moral - pílula dada à poucos

   No texto O suborno do bem, um executivo inescrupuloso chantageia um primeiro-ministro oferecendo dez milhões de libras que garantiriam água potável para centenas de milhares de africanos em troca de ser nomeado cavaleiro. O político não está certo de que decisão tomar, afinal pretendia seguir um governo limpo de corrupção, mas tem a sua frente a futilidade da significância de um título diante de uma ação beneficente de proporções muito maiores que sua moral. 
   Apesar de entender que é corrupto homenagear civil e politicamente um homem de condutas ruins, para que esse possa se gabar da fantasia de se intitular "superior" quando na verdade ele é conhecedor de seu demérito, não acredito que possa isso ser alegado quando um bem maior está em jogo. Não se trata de um bem como a vida. Seria muito diferente se o problema tratasse de contrapor o risco de uma vida em frente o risco de milhares de vidas. Contudo, a questão é resumida à dar uma vantagem social em troca de um benefício promotor de um bem supremo para um significativo número de pessoas. Pensando sobre isso, o quão a moral se torna algo grandioso a ponto de se afastar do bem universal para se manter intacta, assistindo tudo de cima é que acho ser preciso a seguinte indagação: uma vez que o título de cavaleiro representa uma vantagem, essa vantagem seria observada por quem? - Com certeza, não seria pela maioria relativa de pessoas que sentem sede e tem suas existências ameaçadas por condições precárias. Logo, é válido riscar o diamante da moralidade, não para que este deixe de refletir seu brilho, mas para ofuscar um reflexo de luz que só ilumina uma parcela privilegiada, a do ministro, do político e de quem possa se interessar em possuir uma honraria ou título meramente aparentes.
   Posso dizer que fiquei confuso ao fazer a associação imediata e comum, pela qual alguém ao praticar uma conduta tida como negativa estaria afirmando sua predisposição e consequente sucessão de atos negativos. Por isso, o primeiro-ministro, ao passo que atuaria maculando um tanto de sua moral, isso não seria uma desculpa para afirmar-se absolutamente corruptível e direcionar o restante de seu governo à corrupção. Se assim eu não concordasse, estaria dizendo que ninguém pode cometer uma infração sem que com isso mande sua moral para o espaço. Assumir essa proposição, seria ainda, fundamentar, por exemplo, que um ex-presidiário, após cumprida sua pena, jamais estaria apto para retomar o convívio em sociedade.
   Nesse sentido, antes de consultarmos essa autoridade subjetiva chamada moral, devemos consultar as bases que sustentam essa entidade coletiva: a humanidade. Pois de nada adiantaria saber que somos tutelados por uma autoridade que alienada de nossas necessidades mais iminentes, tem como preocupação primeira manter-se intocável. Portanto, posso dizer que para mim, o bem subjetivo da moralidade comum só existe quando tudo é comumente garantido à todos, sem as necessidades mais básicas supridas, com o estômago roncando ou na insuportável sede não há o que falar em agir com moralidade. Do contrário, estaríamos nos preocupando em dourar uma pílula e não oferecê-la à todos. 

A arte não se eleva

   Fiz a leitura do texto O princípio do prazer, no qual a personagem Penny deve escolher entre ser embaixadora do país Raritaria, lugar de sexo podado, pouca diversão e exposição de arte erudita, ou atuar na embaixada de Rawitaria, onde os prazeres "mais elevados" da arte e da música são suplantados pela diversão, drogas e sexo. Assim, declaro minha total discordância com a proposta de uma arte somente contemplativa, descolada dos prazeres da vida,pois antes de produzir a esfera artística vive-se a vida. Raritaria seria um lugar onde a arte seria apenas contemplada mas não capaz de inspirar sua produção, talvez, concordasse comigo, Toulouse Lautrec e os pintores boêmios, os músicos bêbados e escritores drogados que tanto contribuíram para nossa arte.
   O que dizer dos artistas do contraponto, que escolheram representar na arte a vida vulgar, buscando a pureza na miséria, descobrindo a beleza na feiura e vivendo nesses ambientes onde a inspiração se afasta da sociedade aristocrática? São artistas. O exemplo de Caravaggio, gênio do barroco, possuía um espírito dos mais vulgares, sempre envolvido em festas, distante da sobriedade que tanto o chateava, e mesmo assim capaz de pintar figuras com dimensões reais e lotada de técnicas de claro-escuro. Por quê olhar grosseiramente para Toulouse que no Moulin Rouge, acompanhava Van Gogh em doses seguidas  de absinto e música frenética e popular? - Não! A arte muitas vezes saiu da margem sombria para ser estampada em museus e coleções particulares de uma elite ignorante ao que diz respeito a  sua finalidade: expressar. E Raritaria seria a representação disso, um lugar onde se escuta Beethovem mas se é surdo para o Blues, onde se observa uma tela mas a cegueira toma conta quando se deve observar o passado de sua produção. Ali a arte é meramente figurativa, mesmo que se tenha paixão para admirá-la não se tem coragem para senti-la. Por assim dizer, Raritaria pretende desligar a arte dos fatores que concorreram para sua produção.
   Preferiria viver em Rawitaria, uma vez que acredito que antes de admiramos as obras primas ou conquistarmos esse sentimento de paixão pela arte, devemos conquistar nossa vida plena de liberdade de expressão. Os prazeres são justamente a coleção de situações em que o ser humano pode fugir dos brios que o impedem de se expressar, o sexo, por exemplo, deve ser encarado com o fetichismo que lhe é peculiar, a música deve comover os sentidos mas também deve animar as comemorações regadas pelo álcool. Afinal, as drogas de Rawitaria seriam as mesmas que vemos por aí, por isso é importante lembrar que desde há muito vivemos sob o jugo de um estado massacrante e depressor, que nada oferece para suprir as angústias humanas e que ainda assim pretende marginalizar aquilo que chama de alucinógeno. A alucinação que se ofereceria a Penny seria a lucidez de sua autonomia,não mais estaria regrada por uma classe empoada que diz amar a arte para se esquecer de ser artista. Nesse sentido, não se trata de dizer que só é artista o drogado, mas dar o título de "arte elevada" à determinada coisa não a eleva de verdade, somente rebaixa a produção daqueles que não optaram por serem contidos, hipócritas e controlados como a elite burguesa sempre buscou viver. E claro, hipócrita, porque duvido que em Raritaria, nos porões das casas, em um canto isolado e escondido a quatro chaves não se escondem, os elegantes habitantes para experimentarem seus tabus.
   Meu conselho para Penny não seria escolher Raritaria ou Rawitaria, apesar de perder o cargo nas embaixadas, a melhor oportunidade que pode surgir não é aquela que contempla somente um interesse e sim a que totaliza nossas aspirações. Para além disso, mais efêmero e vazio do que um copo de bebida é uma só dose de tabu  daqueles que ficam a escolher o que devemos achar belo.

Toulouse Lautrec- A dança- Valentin, o Desossado, ensaia as novas candidatas, 1890


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Ser Conan ou Wood

   O texto Total falta de memória descreve a situação de Arnold Conan, que para se livrar da terrível ameaça de ser preso e atormentado em uma prisão, escolhe passar por  uma mudança de identidade, tudo que foi vivido pelo agente seria deletado do seu eu. Afinal, agora, depois da mudança, o eu de Arnold Conan é Alan E. Wood.
   Apesar de reconhecer a importância da memória e da lembrança na constituição da identidade pessoal de cada indivíduo, como nos faz singular diante do outro e prova construída de que estamos vivendo, se eu viesse a conhecer Wood, seria mesmo esse o nome pelo qual o trataria. Arnold Conan só no passado foi alguém. Para tanto, valho-me de certa angústia do pensamento filosófico da metafísica quando pensa a existência do ser de maneira transcendente à matéria e ligada a sua essência, a roseira quando nova não seria, necessariamente, a mesma roseira frondosa e adulta. Assim, enxergo a afirmação da  identidade na iminência do ato de ser, sou quem sou agora, sou da maneira que ajo e penso agora. Logo, uma vez que o pensamento e as ações de Wood se conduzem totalmente desligadas da consciência de Conan, não devo atribuir a ele o que jamais seria realizado por aquele. 
   Discordo do livro a respeito de uma amnésia (considerando uma amnésia absoluta e irreparável) não mudar totalmente uma pessoa. Penso, a forma, o corpo ou a voz sendo identificados por nós como atributos que nos conferem a materialidade de nossa existência, assim posso dizer que reconheço determinada pessoa pelas suas feições, mas não posso falar que a conheço tão somente pela aparência. Esse pensamento simples sempre determinará as relações dos humanos com seus companheiros. Contudo, ignorar esse resumo sensorial, meramente baseado no que os sentidos têm de mais fácil a ser captado (sons,cores, texturas) para buscar um contato aproximado,  revelaria para os próximos de Wood sua nova essência.
   Nesse sentido, é sabido que nossa personalidade, o que nos caracteriza como indivíduos exclusivos, é moldada pela experiência que adquirimos, registrando tudo na memória. Por isso, a personalidade é mutável, posto que a todo momento,  experimentações que foram guardadas pela memória como ponto de referência para nos posicionarmos diante de algo , são suplantadas pelo aprendizado adquirido em uma viajem, uma aula ou conversa entre amigos, mas a pessoa em essência não muda. Com isso, não quero voltar atrás com o já dito, digo que Conan não mudou e sim que ele já não existe, a única coisa resgatável seria sua personalidade, se reouvesse em Wood as memórias excluídas, desembocando, dessa vez, em um conflito de personalidades e não mais de pessoas. Posto que somos um só.
   Segundo Carlos Drummond de Andrade,  ninguém é igual a ninguém, todos somos estranhos ímpares. Dessa maneira, Wood é um estranho para os outros e para outrem que existiu em um passado recente, mas para si, ele "É" no presente. Portanto, foi no desacordo entre matéria e essência provocado pela situação hipotética traçada no livro que pude refletir sobre o que me faz ser quem sou, e sem dúvidas meu ser não é a materialidade das impressões que transmito para os sentidos alheios, e muito menos seria a continuação da  existência de um Conan que já foi alguém em outro tempo, não nesse.

domingo, 29 de junho de 2014

No afogamento ou não afogamento...

   Como atividade proposta, foi lançado para debate o caso de Sally, onde uma mulher diante de náufragos deve prestar socorro - de um lado seu marido se afoga, do outro várias pessoas se afogam, contudo não é possível contemplar ambas laterais.  É nesse conflito de interesses, que surge a questão: até onde devemos dar prioridade aos nossos?
   Quando fiz a primeira leitura do caso, achei evidente que Sally deveria salvar uma maioria de pessoas em detrimento de uma só, ainda que essa pertencesse a sua família era o altruísmo a bandeira a ser levantada. Todavia, de nada valeria minha opinião se essa surgisse somente de um ponto de vista ideológico altruísta que se esconde em nossas mentes sempre que agimos pelo prisma da individualidade. Para isso, parti da análise de como costumo agir. Assim, relendo o caso, pude perceber mais atentamente que Sally está inserida no contexto de um casamento, que se baseia na reciprocidade e companheirismo até o dia da morte, sendo humana e possuindo afetos ela deveria salvar o marido. 
   Para compreender melhor esse raciocínio seria fundamental que afunilássemos essa problemática à situações menos complexas, as quais nos deparamos a todo momento. Primeiramente, para que eu chegasse até a faculdade e pudesse assistir a aula de filosofia, deveria pagar pelo passe de ônibus que com o cartão para o estudante custa R$ 1,05 centavos - com esse dinheiro eu poderia comprar alimento bastante para uma refeição frugal e ofertá-la à alguém necessitado. Portanto, o altruísmo não é um comportamento esperado quando surge em situações excepcionais, e sim todos os dias. Cotidianamente preferimos beneficiar a nós mesmos. Partindo desse pressuposto, poderíamos afirmar que o ser humano é incapaz de fazer o bem ao próximo? A resposta é não. Isso porque  o individualismo deve ser  contrabalanceado não pela atitude individual (quase sempre, inexistente) de abdicar de um benefício para dotá-lo à outra pessoa e sim por atitudes coletivas - ainda que Sally não pudesse recorrer a força da coletividade naquela situação.
   Portanto, levando em conta minhas experimentações e fazendo-as de espelho para julgar Sally, seria hipocrisia condenar uma atitude que prejudicasse os meus e garantisse o benefício de outrem. Além de tudo, Sally está comprometida com um casamento, e se chegou a realizar tal acordo podemos supor que ame seu marido. Assim, concluo que as ações filantrópicas e egoístas balançam em um mesmo pêndulo, a melhor maneira de conduzir esse balanço à extremidade mais agradável não é responsabilidade de um só - isso seria colocar cada um como vítima de seus mais verdadeiros sentimentos. 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Casamento e infidelidade, a quebra de um acordo

    Durante muito tempo pensei o relacionamento amoroso longe de contratos ou acordos, o amor em sua face livre oferece a liberdade de podermos manter diversos relacionamentos paralelos que não implicam em desgostar de um ou outro "parceiro”, também não prevê a duração dos relacionamentos, logo, pouquíssimas foram às vezes que pensava na ideia de traição e toda carga inerente ao compromisso pelo qual as pessoas casadas, noivas, e enamoradas se dispõem.  Por isso, quão inovador foi discutir o texto "A amante virtual" do autor Julian Baggini, extraído de sua obra O porco filósofo.
   Como proposta de atividade foi nos oferecido um júri simulado, fazendo a tradução de um caso hipotético onde o personagem Dick, na tentativa de encontrar uma alternativa para fugir de um casamento frustrado sem magoar sua companheira, acaba por adotar uma amante virtual - melhor do que uma real - pois alega que sua esposa não aceitaria um relacionamento aberto. Aparentemente sensato, Dick é levado à tribunal onde são dissecadas as suas intenções ao trair ou não a esposa. Nesse sentido, temos narrada uma situação rotineira à medida que muitos casais não cumprem o acordo de fidelidade, mas ameaçadora quando vamos ao extremo: observar um homem que não pretende se divorciar, pois aprecia as funções de sua esposa como cuidadora, mas que objetiva gozar sozinho de prazeres sexuais que satisfaçam suas carências, sabendo que sua esposa subsiste com as dela, é se aproximar do machismo que nem sempre com cores leves pinta o retrato da violência doméstica. Contudo, não estava convencido desse pensamento, pois não compreendia o âmbito sentimental específico de uma relação como essa. Para tanto, contrariando o discurso que sempre levava comigo, parti do pressuposto que se me disponho a um acordo devo cumpri-lo piamente, casar seria ignorar as questões subjetivas que fariam um casamento falir, para me colocar como um indivíduo preparado ao esforço sempre que esse contrato fosse ameaçado.
   Aqui é inevitável o questionamento ao modelo dos júris. Como representante da acusação, estive ali debatendo e argumentando um problema que é muito mais simplificado na minha concepção, tentando parecer firme quando estava me baseando na consistência dos argumentos criados e não naquilo que de fato acreditava. Claro, condeno a postura machista que tendenciosamente justificamos no réu, mas compreendo as dificuldades em insistir em um relacionamento saturado, também não duvido da comparação feita entre esposa real e virtual, posto que a realidade do sistema operacional descrito fosse comparada a outra realidade (não uma meia realidade, mas outra como essa), ainda reiterando com as ideias de Platão sobre um mundo das ideias ou mesmo quando encaramos a validade que damos hoje a realidade virtual (usada até para testar a capacidade de indivíduos que virão a exercê-la no mundo sensível onde habitamos). Outra vez, recorri ao valor de um contrato estabelecido acima das angústias individuais de Dick e sua esposa, revisitando a história do matrimônio em seu segmento comumente adotado, o cristão. Pesquisa que acreditei ser elucidativa, mas só promoveu a contração de mais dúvidas. Nesse sentido, a igreja católica considerava casamento quando havia consumação, contudo era um dever da vida conjunta que os parceiros realizassem a atividade sexual com determinada frequência, Dick já não as realizava com sua esposa. Para além, as práticas sexuais preenchidas de tabus foram cerceadas por um cristianismo que repelia a flexibilidade do sexo por desejo - esse estava somente para fins de procriação - e Dick desrespeitou essa regra. Por isso, nos moldes antigos onde o casamento ganhava força de expressão e expandia suas características, muitas arrastadas até hoje, o réu já não poderia se considerar "casado", mas também não poderia encontrar maneiras alternativas que promovessem o extravasamento de sua sexualidade. Ora, seria ele culpado de traição ou levado a traição?

   Respondendo ao questionamento, considerei a obstinação do réu em suprir suas necessidades e ignorar as de sua companheira, na falta de um diálogo ou no abandono da sinceridade Dick seria culpado, pois foi levado por si mesmo a traí-la. Contudo, sua culpabilidade extrapola os limites do adultério, Dick é culpado, acima de tudo, pela o ato infiel de agir de forma egoísta e desonesta perante um acordo de cumplicidade e lealdade.