domingo, 29 de junho de 2014

No afogamento ou não afogamento...

   Como atividade proposta, foi lançado para debate o caso de Sally, onde uma mulher diante de náufragos deve prestar socorro - de um lado seu marido se afoga, do outro várias pessoas se afogam, contudo não é possível contemplar ambas laterais.  É nesse conflito de interesses, que surge a questão: até onde devemos dar prioridade aos nossos?
   Quando fiz a primeira leitura do caso, achei evidente que Sally deveria salvar uma maioria de pessoas em detrimento de uma só, ainda que essa pertencesse a sua família era o altruísmo a bandeira a ser levantada. Todavia, de nada valeria minha opinião se essa surgisse somente de um ponto de vista ideológico altruísta que se esconde em nossas mentes sempre que agimos pelo prisma da individualidade. Para isso, parti da análise de como costumo agir. Assim, relendo o caso, pude perceber mais atentamente que Sally está inserida no contexto de um casamento, que se baseia na reciprocidade e companheirismo até o dia da morte, sendo humana e possuindo afetos ela deveria salvar o marido. 
   Para compreender melhor esse raciocínio seria fundamental que afunilássemos essa problemática à situações menos complexas, as quais nos deparamos a todo momento. Primeiramente, para que eu chegasse até a faculdade e pudesse assistir a aula de filosofia, deveria pagar pelo passe de ônibus que com o cartão para o estudante custa R$ 1,05 centavos - com esse dinheiro eu poderia comprar alimento bastante para uma refeição frugal e ofertá-la à alguém necessitado. Portanto, o altruísmo não é um comportamento esperado quando surge em situações excepcionais, e sim todos os dias. Cotidianamente preferimos beneficiar a nós mesmos. Partindo desse pressuposto, poderíamos afirmar que o ser humano é incapaz de fazer o bem ao próximo? A resposta é não. Isso porque  o individualismo deve ser  contrabalanceado não pela atitude individual (quase sempre, inexistente) de abdicar de um benefício para dotá-lo à outra pessoa e sim por atitudes coletivas - ainda que Sally não pudesse recorrer a força da coletividade naquela situação.
   Portanto, levando em conta minhas experimentações e fazendo-as de espelho para julgar Sally, seria hipocrisia condenar uma atitude que prejudicasse os meus e garantisse o benefício de outrem. Além de tudo, Sally está comprometida com um casamento, e se chegou a realizar tal acordo podemos supor que ame seu marido. Assim, concluo que as ações filantrópicas e egoístas balançam em um mesmo pêndulo, a melhor maneira de conduzir esse balanço à extremidade mais agradável não é responsabilidade de um só - isso seria colocar cada um como vítima de seus mais verdadeiros sentimentos. 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Casamento e infidelidade, a quebra de um acordo

    Durante muito tempo pensei o relacionamento amoroso longe de contratos ou acordos, o amor em sua face livre oferece a liberdade de podermos manter diversos relacionamentos paralelos que não implicam em desgostar de um ou outro "parceiro”, também não prevê a duração dos relacionamentos, logo, pouquíssimas foram às vezes que pensava na ideia de traição e toda carga inerente ao compromisso pelo qual as pessoas casadas, noivas, e enamoradas se dispõem.  Por isso, quão inovador foi discutir o texto "A amante virtual" do autor Julian Baggini, extraído de sua obra O porco filósofo.
   Como proposta de atividade foi nos oferecido um júri simulado, fazendo a tradução de um caso hipotético onde o personagem Dick, na tentativa de encontrar uma alternativa para fugir de um casamento frustrado sem magoar sua companheira, acaba por adotar uma amante virtual - melhor do que uma real - pois alega que sua esposa não aceitaria um relacionamento aberto. Aparentemente sensato, Dick é levado à tribunal onde são dissecadas as suas intenções ao trair ou não a esposa. Nesse sentido, temos narrada uma situação rotineira à medida que muitos casais não cumprem o acordo de fidelidade, mas ameaçadora quando vamos ao extremo: observar um homem que não pretende se divorciar, pois aprecia as funções de sua esposa como cuidadora, mas que objetiva gozar sozinho de prazeres sexuais que satisfaçam suas carências, sabendo que sua esposa subsiste com as dela, é se aproximar do machismo que nem sempre com cores leves pinta o retrato da violência doméstica. Contudo, não estava convencido desse pensamento, pois não compreendia o âmbito sentimental específico de uma relação como essa. Para tanto, contrariando o discurso que sempre levava comigo, parti do pressuposto que se me disponho a um acordo devo cumpri-lo piamente, casar seria ignorar as questões subjetivas que fariam um casamento falir, para me colocar como um indivíduo preparado ao esforço sempre que esse contrato fosse ameaçado.
   Aqui é inevitável o questionamento ao modelo dos júris. Como representante da acusação, estive ali debatendo e argumentando um problema que é muito mais simplificado na minha concepção, tentando parecer firme quando estava me baseando na consistência dos argumentos criados e não naquilo que de fato acreditava. Claro, condeno a postura machista que tendenciosamente justificamos no réu, mas compreendo as dificuldades em insistir em um relacionamento saturado, também não duvido da comparação feita entre esposa real e virtual, posto que a realidade do sistema operacional descrito fosse comparada a outra realidade (não uma meia realidade, mas outra como essa), ainda reiterando com as ideias de Platão sobre um mundo das ideias ou mesmo quando encaramos a validade que damos hoje a realidade virtual (usada até para testar a capacidade de indivíduos que virão a exercê-la no mundo sensível onde habitamos). Outra vez, recorri ao valor de um contrato estabelecido acima das angústias individuais de Dick e sua esposa, revisitando a história do matrimônio em seu segmento comumente adotado, o cristão. Pesquisa que acreditei ser elucidativa, mas só promoveu a contração de mais dúvidas. Nesse sentido, a igreja católica considerava casamento quando havia consumação, contudo era um dever da vida conjunta que os parceiros realizassem a atividade sexual com determinada frequência, Dick já não as realizava com sua esposa. Para além, as práticas sexuais preenchidas de tabus foram cerceadas por um cristianismo que repelia a flexibilidade do sexo por desejo - esse estava somente para fins de procriação - e Dick desrespeitou essa regra. Por isso, nos moldes antigos onde o casamento ganhava força de expressão e expandia suas características, muitas arrastadas até hoje, o réu já não poderia se considerar "casado", mas também não poderia encontrar maneiras alternativas que promovessem o extravasamento de sua sexualidade. Ora, seria ele culpado de traição ou levado a traição?

   Respondendo ao questionamento, considerei a obstinação do réu em suprir suas necessidades e ignorar as de sua companheira, na falta de um diálogo ou no abandono da sinceridade Dick seria culpado, pois foi levado por si mesmo a traí-la. Contudo, sua culpabilidade extrapola os limites do adultério, Dick é culpado, acima de tudo, pela o ato infiel de agir de forma egoísta e desonesta perante um acordo de cumplicidade e lealdade.